quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Mas não esqueça de mim.


Era um dia chuvoso, como todos os dias de inverno. Mas esse pequeno detalhe não o deixava menos bonito. O tempo combinava com as pessoas, também sem cor. Quase sem vida. Uma beleza melancólica. Mesmo bonito, não era o cenário perfeito para o final feliz de uma história romântica. Provavelmente, não existiria nenhum final feliz. Eles precisavam de um céu azul e brilhante com centenas de passarinhos cantando em suas árvores. Por hora, as filmagens de um filme qualquer tinham sido pausadas. Isso deixava as ruas de Paris quase desertas novamente.

Charlotte simplesmente odiou.
Ela havia escolhido aquele dia justamente porque as ruas estariam cheias o bastante para ela poder chorar no ombro de qualquer estranho que tivesse o mínimo de preocupação com uma garota largada na rua, chorando. Mas ela não poderia mais adiar aquele dia, por mais que quisesse. Ele iria embora na manhã seguinte. Respirou fundo.
Sentiu uma lágrima solitária escorrer pelo seu rosto enquanto digitava uma mensagem, as mãos tremendo.

"Onde você está?"
"Saindo de casa, chego aí em alguns minutos."

Ela sentou no banco da praça, pronta para sair correndo em qualquer momento, e esperou. Passaram-se cinco... dez... quinze... vinte minutos e só quando ela se levantou, desistindo de esperar, que ele chegou.

— Espera, Charlotte! — Gritou o garoto quando viu, de longe, uma cabeleira negra se levantar.

Ela se vira e espera.
Ele percebe o nervosismo dela.
Ela suspira baixo quando ele se aproxima.

— Desculpa dela demora. — Ele disse. — Tive que passar em um lugar antes. Vim o mais rápido que pude.

— Tudo bem, Harry. — Disse Charlotte.

— E então, o que você queria falar, Char? — Perguntou o garoto curioso, projetando seu corpo para frente sem ao menos perceber.

Ela torceu as mãos, nervosa. — Eu te amo.

Ele sorriu. — Eu também te amo. Agora, me fale o que você quer dizer para mim. Estou curioso.

— Não Harry, eu te amo. — Charlotte falou com uma coragem tão grande que nem sabia que tinha. Mas na verdade, ela não tinha mesmo. Foi mais a raiva de ele ter feito repetir essa frase na frente dele. Ela corou.

Os olhos do garoto arregalam-se e sua boca se abriu um pouco. Ela não podia ter feito isso. Complicou tudo. Agora, ele sabia que seu sentimento era correspondido e sua vontade de não se mudar para o sul da Itália era igual a sua vontade de beijá-la. Mas ele não podia. E ele não o faria.

— Char, eu... — Ele tentou. Mas não conseguia falar.

— Não, não diga nada. Não minta para mim. Eu só precisava falar. — Ela virou o rosto para outra direção, enquanto passava as mãos nos olhos.

— Charlotte, eu também te amo. — Ele disse. E segundos depois, quando percebeu o que tinha falado, emendou. — Mas eu não te amo desse jeito. Você é minha melhor amiga.

— Eu sei! Por deus, eu sei que você não me ama desse jeito, quem diabos amaria? — Ela falou, afundando no banco. — Agora você vai se mudar e pelo menos eu sei que tentei.

Ele deu um sorriso melancólico, de repente consciente que os dois faziam parte da paisagem cinza. — Te comprei uma coisa.

— Eu não quero. — Disse ela. Mas não falou a outra parte da frase que sua cabeça implorava para ela falar. Eu não quero ter lembranças de você, isso só vai piorar as coisas.

— Eu vou te dar, você querendo ou não. — Teimou ele. Puxou do bolso uma caixinha de veludo vermelha e por um mísero segundo, o pensamento que ele iria pedir ela em casamento passou pela sua mente.

Mas não era um anel de casamento. Na verdade, nem era um anel. O conteúdo da caixinha era nada mais, nada menos do que um relicário prata em formato de coração. Quando ela o pegou, não notou a inscrição gravada atrás, o Je T'Aime pequeno demais até para um relicário. Ela o abriu.

— Eu já coloquei uma foto minha aí, se você não tivesse uma. — Ele passou as mãos pelo cabelo, constrangido.

— É lindo. Obrigada. — Ela falou. — Pena que eu não comprei nada para você.

Ele gargalhou. — Você não precisava comprar nada para mim, nem precisa. Só sua presença me faz bem.

— Então como você vai lembrar de mim? — O clima estava se acalmando. Ela não iria esquecer as palavras de Harry, mas iria tentar.

— Eu tenho fotos. — Ele disse. E também não preciso delas, irei lembrar do seu sorriso todos os dias.

— Eu te amo, Harry. — Ela repetiu.

— Eu também te amo. — Ele falou. O celular tocou em seu bolso. — Um momento.

Ele se afastou e ela o esperou, novamente. Mas foram só dois minutos.

— Char, eu tenho que ir. Minha mãe está uma fera empacotando as coisas só com meu pai. — Ele falou. — E nosso vôo não é uma hora adequada para acordar, certo?

— Certo. Tudo bem. Pode ir. — Ela falou, atrapalhada.

Ela o abraçou com todas as forças que tinha no corpo. Era o último abraço e ela queria sentir a sensação pelo resto da vida.

E então, ele foi embora.

Ela ficou.
Ela sempre ficava.

9 comentários:

  1. Que conto encantador! Parabéns, Soso.

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  2. Você escreveu inferno invés de inverno na primeira frase (:

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  3. Alexia: Parabéns, todos os dias eu passo aqui para ver se você postou mais alguma coisa, me indentifico com alguns , muito lindos , beijos, parabéns.

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  4. Sofia, o conto ficou maravilhoso, como todos os outros sempre ficam, lindo, continue assim, te adoro muito.

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  5. SofiA, Te achei por acaso no Twitter quando uma amiga minha me indicou...
    Vi seu blog imediatamente e SUPER me identifiquei... Parabéns , seus contos são lindos!
    gostaria que passasse no meu blog se pudeer:
    www.walkandtalk3d.blogspot.com

    Afetuosamente,
    Clara_Voolter

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  6. Maravilhoso Sofia.
    Sunshine.

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  7. Eu amo histórias com finais tristes. E sua,me encantou.

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  8. Essa é uma das poucas histórias com final triste que eu gostei. Você escreve muito bem!

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