sábado, 20 de novembro de 2010

A Garota Feita de Fogo


Uma linda garota de cabelos de fogo. Isso que ela era. Mas não só os cabelos, ela era feita de fogo. Tinha uma chama interior, e mesmo não sendo a mais simpática ou a mais bonita, era a que mais chamava atenção. Seus olhos cor de mar aparentavam estar realmente cansados, e ela sustentava um pequeno e triste sorriso nos lábios. Foi a primeira vez que a viu.

Ninguém mais parecia notar a garota feita de fogo.
Que vergonha!

E quando tomou seu lugar, na aula de literatura, descobriu o nome da garota com cabelos laranjas. Também descobriu um professor maravilhoso, que não o pediu para se apresentar na sala de aula. Mas principalmente, descobriu o nome dela.

— Lucinda. — O professor a chamou.

— Luce. — Retrucou, a voz fria preenchendo-lhe os ouvidos.

O professor deu de ombros. — Que seja. Então, Luce, será que poderia ler um pouco para nós?

Ela abriu o livro. E começou a ler. Uma leitura impecável. A voz melodiosa da garota tinha força suficiente para alcançar toda a sala. Por um momento, mergulhou na voz de Luce, achando que estava sendo hipnotizado de alguma forma. Ele não era assim.

E então, com um barulho de livro sendo fechado com bastante força, a voz parou. Assim, simples.
Ele piscou os olhos, como se saísse de um transe.

O professor a olhou. — Muito obrigada por sua incrível leitura, Srta. Lucinda.

— É Luce. — Foi tudo que ela disse.

Quem era essa garota?
E porque ela parecia ser totalmente errada?

Hora do intervalo. Isso quer dizer, hora de animais saírem das jaulas. Vários alunos corriam para lá e para cá, como se tivessem passado anos e anos trancados em uma cela.
Ridículo, claro.

Ele não a amava. E tinha absoluta certeza disso. Não existe amor a primeira vista. O que ele sentia era a curiosidade de conhecer a garota de fogo. Sim, ele conheceu outros ruivos. Mas ela... Era toda ruiva. E ninguém percebia.

— Luce, — Disse um garoto, também ruivo, parando perto dela. — Posso falar com você?

Ela assentiu.
Eles saíram do campo de visão de Oliver.

O garoto olhava fixamente para a porta, esperando os dois ruivos entrarem por ali. Sua comida estava intocada e esquecida. Depois de alguns minutos, o ruivo entrou. Mas Luce não.

Ele esperou mais um pouco.
Ela não apareceu.

A comida continuou intocada. E totalmente esquecida.
O garoto tinha saído por aquela porta.

Foi fácil encontrá-la. Não por causa do seu cabelo, que ele nem ao menos viu em sua procura, mas porque ele era um garoto de seguir seus instintos.
E seu instinto apontava para o jardim.

Lá estava a garota, sentada no meio do jardim, com uma carta em sua frente. Ele sentou ao seu lado. Ela chorava.

— Por que choras? — Perguntou ele.

— Quem diabos é você? — Rebateu. — E por que se importa?

O garoto de cabelos negros suspirou. — Meu nome é Oliver. E eu não sei porque me importo. Só sei que me importo.

— Que seja. — Falou Luce. — Acho que já sabe meu nome.

— É, eu sei.

E então, eles ficaram em silêncio. Não era um silêncio desconfortável, mas eles não podiam dizer que estavam em uma situação extremamente agradável.
Uma borboleta pousou no ombro da garota.

Ela resolveu falar. — Sabe, os nossos pais, meus e do Joseph, morreram em um acidente de carro ano passado. E agora, ele chegou com uma carta da mamãe e do papai. Eles estavam naquele carro, porque estavam fugindo. Fugindo!

Ele pegou a carta depositada no chão.

Queridos Joe e Luce,

Desculpem-nos por nossa falta de tato com vocês.
A verdade é que nós não conseguimos mais aguentar.
Não nascemos para sermos pais, e de repente, eu estou grávida de gêmeos.
Eu sei, tudo parecia bem. Nós éramos uma família feliz, não?
Só que... Nascemos para viver o que aparecesse na nossa frente.
Cuidamos de vocês, e amamos vocês.
Mas agora, vocês têm dezessete anos, e um dia vão entender porque nós fizemos isso.
Como eu disse, vocês têm 17. Vão saber se cuidar.

Com amor,
Mamãe e Papai.

— Sinto muito. — Disse o garoto.

Ela enxugou as lágrimas, determinada. Se eles não a queriam, por que ia passar o resto da sua vida sofrendo por eles? — Não sinta.

A garota feita de fogo levantou-se e deu passos para longe dele.
Passos de fogo.

Um comentário:

  1. Que triste e tocante, So. Por isso, é lindo.
    Sabe que desde que eu soube do teu blog e comecei a ler, comecei a admirar teus textos. E você.

    <3

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