domingo, 23 de janeiro de 2011

Sobre alguém que aprendeu a sorrir.

Pela milésima vez, o velho rabugento deu de cara com a garota risonha encostada na placa do ônibus. Ele a culpava por seu mau humor diário. Pobre coitada, a única coisa que fazia era rir de qualquer coisa que fosse: Desde um sapato até um chapéu.

Mas nesse dia, o velho acordou mais mal-humorado que o habitual. E ele explodiu quando ela deu risada da gravata de florzinhas - que era realmente engraçada - de um homem.

― Por que perde tanto tempo rindo, garota? ― Disse o homem, com a cara fechada.

― Oras, o que mais irei fazer? ― Falou ela, deixando escapar outra risadinha.

― Reclamar. Você já sofreu na sua vida pelo menos uma vez? ― Ele perguntou. ― Na sua idade eu também achava que tudo era risadas...

― Eu já sofri. Decerto que já. Mas porque eu vou ficar pensando em sofrimento se tem tantas coisas belas e engraçadas?

― Me mostre pelo menos uma. ― Falou o velho, decidido a não rir de nada.

Não muito longe de onde eles conversavam, uma mulher idosa gritava pra todos que passavam sobre o amor de Deus e todos que não iam se salvar. A garota começou a rir e apontou pra ela.

― Está vendo? A pobre mulher acha que vai convencer alguém gritando seus argumentos.

E era engraçado o modo que a velha gritava, articulando as mãos e falando sem parar. Mas o outro velho - o rabugento - não riu. Não deu ao menos um sorriso.

― Qual o seu nome? ― Perguntou ela. Não gostava de conversar com pessoas que não pudesse falar o nome delas.

― Anthony Watson. ― Disse ele, olhando pra outra coisa.

― Então, Tony... Posso te chamar assim, não posso? ― Ela falou, prendendo o riso.

― Não. Me chame de Sr. Watson.

― Então, Tony. Você é realmente muito engraçado. Muito mesmo. ― E começou a rir, coitada. Riu até ficar sem ar. Porque o Sr. Watson era engraçado. Com os braços cruzados em cima da barriga enorme que possuía. O chapéu-coco escondendo a careca e os sapatos bem engraxados. Ele até poderia parecer um avô bonzinho (um papai noel) se não tivesse tanto mau humor.

― Qual o seu nome? ― Perguntou o Sr. Watson, seco.

― Bem, meu nome é Gabrielle. Pode me chamar de Elle se quiser. ― Ela sorriu.

Em segundos, o sorriso virou uma gargalhada. Uma pessoa estava fantasiada de duende estava vindo em sua direção e falou com ela.

― Olá, Gabrielle! Quem é o seu amigo? ― Disse, olhando para o velhote com uma cara estranha de quem quer saber o que alguém está fazendo.

― Estou tentando fazer ele rir, Janet. ― Gabrielle disse. ― Você não quer me ajudar?

― Ah, Elle, ajudar mesmo vai ter que ficar para a próxima. Mas eu vou dançar um pouco.

Dito e feito. Janet dançou por alguns minutos como um verdadeiro duende, com bengala, pote de ouro e tudo mais. As pessoas da parada de ônibus soltavam enormes gargalhadas, inclusive Gabrielle, que já tinha visto a dança inúmeras vezes.

O Sr. Watson, que era o rei do mau-humor, também não aguentou. Ele soltou um pequeno sorriso que não passou despercebido pelos olhos atentos - mesmo com as gargalhadas - de Gabrielle.

― Você sorriu. Acho que não preciso mais tentar então. ― Ela falou e Janet foi embora.

O humor do homem tinha mesmo mudado. O seu mudaria, se tivesse visto a dança. Ele deu mais um sorriso e agradeceu a garota.

― Opa, esse é meu ônibus. Até mais ver, Tony. ― Disse, subindo as escadinhas e dando um tchau, olhando pra trás.

― Até mais ver, Elle. ― Disse.

Mas no outro dia, Elle não foi pra parada de ônibus. E nem no próximo, e muito menos no outro. Depois de algumas semanas, Sr. Watson finalmente entendeu que tinha outro alguém que precisava aprender a sorrir.

E soltou um sorriso, lembrando-se da garota-professora.

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